Como se escreve Caterpilar?
by Palaroide
Uma vez peguei num diário de quando tinha 13 anos e, ao
lê-lo, percebi que concretizei quase todos os desejos que tinha nessa altura. E
os dos anos seguintes. Mesmo os que me pareciam impossíveis e difíceis: estava
quase tudo feito! Desta lista, só ficou por concretizar “desejo 243 - namorar com o
Tom Cruise”. A Nicole e a Kate devem ter as energias cósmicas mais afinadas e
passaram-me a perna, mas não guardo ressentimentos. Pelo contrário (MESMO), até
porque entretanto esse desejo já prescreveu (espero).
Em tempos confessei neste diário espaço caderno blogue
que “um dia, apesar de ter 2 mãos esquerdas, com 3 dedosengolidos por tubarões (1 dedo e meio por mão) vou fazer vestidos”. Estou
contente por não ter insinuado outra coisa qualquer que requeresse um caterpilar
ou um tanque de guerra, porque me
nasceu, espontaneamente, no escritório, uma máquina de costura. Daquelas
portáteis e feitas de plástico. Mas quando olho para ela vejo uma bela Singer, intransportável
e feita de metal, como a que a minha tia O. tem e com a qual passou os últimos
50 anos a fazer coisas.
Mentalmente fiz logo 2 vestidos de comunhão, 1 vestido de
noiva (que ainda precisa da prova final para ser terminado), um casaquinho de
cão (cor-de-rosa), fiz duas bainhas de calças (uma de ganga e outra de bombazine)
e reparei uma camisa rasgada há 7 meses, preguei os botões numa outra e, no fim
disto tudo - nada era para mim - fiz o meu *casaco de sonho* em tweed, com um
forro de cetim colorido e uns apliques em croché. Tudo isto em 33 prazenteiros
segundos.
E pronto, depois da alegria inicial e de ter beijado e
lambido e abraçado a minha nova colega de mesa, percebi que eu não só nunca
meti a mão numa máquina de costura (nem para a mudar de sítio), como sou um
desastre para manualidades. Ou para os labores domésticos no geral. Só gosto de
fazer bolos (para os comer).
Como sou muito otimista (quase sempre, mesmo em dias de
chuva e alerta vermelho) achei que, quem sabe, olhando para ela tudo fosse
intuitivo (como as coisas na net e tratar de bicheza). Não é. Nem com manual de
instruções. Sinto-me como se me tivessem oferecido um emprego como condutor de
naves espaciais, que agora não posso recusar. E isto faz-me recuar aos tempos
em que andei a tirar a carta, que me parecia uma tarefa impossível. Hoje até
carros de Fórmula 1 conduzo, como quem anda de bicicleta: com muito
profissionalismo e segurança (todos os comentários desfavoráveis sobre a minha
condução serão censurados. O blogue é meu e eu invento o que quiser).
Posto tudo isto, fui procurar ajuda profissional externa
e, com muita pena minha, descobri assumi que eu, afinal, não sei tudo. Na verdade, não
sei nada.
Resolvi ir beber à fonte e pedir socorro a uma senhora
que anda nesta lides há, tal como a minha tia, 50 anos e tem 7 máquinas de
costura profissionais. Estes números só podem ser sinal de boa coisa. Começou
com um questionário para avaliar o meu nível:
- Que máquina tens?
- Uma pequena e branca de uma marca espanhola. Não me
lembro o nome, nem o modelo. Mas é assim deste tamanho <
---------------------------- > e tem uma rodinha e um pedal... preto.
- E que tipo de pontos ela faz?
- Há mais que um?
- Quantos carretes traz a máquina?
- O que é um carrete?
- Que agulhas gasta?
- ...
(aqui comecei a dar sinais de olhos lacrimejantes e lábio
inferior trémulo)
- Que experiência tens com a costura?
- Sempre enfiei as linhas nas agulhas da minha mãe. Vai
desistir de mim?
- Não. Começamos na próxima semana. Vamos pensar num
projeto simples para começar. Já sabes o que queres começar por fazer?
- Queria um unicórnio dourado, com brilhantes
incorporados, que servisse de carteira, chapéu e casaco e que, quando não
estivesse a uso, aspirasse e fizesse bons assados. Queria ainda que na
Primavera cavalgasse pelos prados e fosse comigo ao cinema. Que gostasse de
Belle and Sebastian e de todos os seus primos musicais. Que me ajudasse na depilação
e me esticasse o cabelo. Que soubesse português, inglês e latim e desse uns
toques de mandarim e italiano. Que dominasse a filosofia grega e a alemã dos
finais do século XVIII. Que me revisse os textos e gostasse de chocolate. Mas
que quando não estivesse a fazer nenhuma das coisas anteriores, servisse de
almofada. Ou enquanto as fizesse, também podia ser.
Se não der, queria
fazer uma saquinha para o pão.