Archive for julho 2012

sobre a morte e o FB


Tenho por hábito, mal acordo, dar a volta ao mundo sem sair do sítio. Ligo o computador e vejo um ou dois jornais, para saber se o mundo lá fora ainda não acabou. Estamos em 2012 e sou cautelosa. Passo por alguns blogues favoritos, para saber como anda a vida e inspiração alheias.  Abro o mail, para confirmar se a meio da noite algum amigo, num ataque de insónia inspirador me mandou algum mail (daqueles que só se mandam depois das três da manhã, em que meia razão deixou de funcionar). E abro – claro – a minha página do facebook.

Nesse dia – que foi há pouco – chegou-me a notícia que "uma rapariga do meu tempo e da minha terra” tinha morrido. Não era minha amiga. Era uma conhecida, com quem as únicas palavras que troquei, nas últimas três décadas, foram “Olá, tudo bem?”. Dela apenas sei: o nome, a idade e onde morava (porque vivia na minha rua). E que sorria muito. Sei quem é a mãe, porque é ruiva como ela. E já está. E agora sei que morreu.

Este post não pretende ser algo profundo e sentido, que questiona o sentido da vida. Esse já o descobri há muito: é evitar a morte. Basta olhar para os bichos. Espero não desiludir quem julgava que era algo mais mágico. Não sou uma pessoa profunda. Aliás, o mais profundo que tenho no meu ser é uma cárie num dente de trás e umas rugas à volta dos olhos, que vão ganhando uma consistência… profunda.

Esta pessoa “do meu tempo” morreu e eu tive pena. E de repente percebi que dezenas de pessoas lhe escreviam mensagens de despedida no seu mural de facebook. Perturbou-me. Pareceu mórbido escreverem na página do facebook de alguém que nunca mais vai ler aquilo, e que as palavras vão ficar ali penduradas, a boiar no ciberespaço.

Agora que mudaram a página do FB para uma coisa que se chama cronologia (que ainda não entendi a 100%), que quase se confunde com necrologia, parece que consigo ver, de mim própria: “Partilhou uma música pimba, pôs um “gosto” em três fotos de animais fofinhos, deixou os parabéns a um amigo, que não vê há 10 anos, e morreu”. O que acontece à nossa página do Facebook quando morremos?

Desliguei o PC e fui tomar café. Arejar e tentar encher a cabeças de futilidades (a morte é fútil?). Não há nada melhor que nos aprimorarmos na arte de tentar afastar a cabeça das coisas que nos perturbam. Devia ser uma cadeira em cursos do ensino superior. Melhor, devia ser um curso do ensino superior.

Fiquei inquieta com aquela gente que escrevia mensagens àquela rapariga morta. Mas depois pensei, que também se escrevem cartões que se colocam em ramos, que se depositam nos cemitérios.  Nunca serão lidos pelo defunto e isso não me faz ir arejar e tentar encher a cabeça de futilidades. Adoro frases feitas - porque me poupam trabalho - por isso digo que para morrer, basta estar vivo (ainda que haja mortos, que ainda não morreram). Mas já não se morre como antes. As mensagens aos mortos já não se escrevem, secretamente num cartão, que possivelmente permanecerá para sempre na gaveta de um familiar. Ou à chuva a desfazer-se. As mensagens são públicas para - até - conhecidos como eu poderem ler e opinar, num blogue que fala de futilidades profundas, como a cárie do meu dente, e permanecerão ativas até o senhor Facebook, um dia decidir encerrar, por falta de uso.

Fiquei com pena da rapariga. Assusta-me a morte, porque gosto da vida. Não acho que devemos viver todos os dias, como se fosse o último. Isso é fácil. Acho que nos devíamos lembrar todos os dias, que um dia morreremos. Acho que ajudaria a tornar-nos mais vivos.

                                                                                                                                                                     para a minha Amiga Carol.

Procuro um guarda-chuva


Estava a chover. Saí de casa com o meu guarda-chuva comprado há vários meses e por estrear. Ainda tinha a etiqueta e tudo. Arranquei-a com os dentes (apesar da minha mãe sempre me ter dito que fazer isso os estraga). O inverno foi seco, mas o verão está chuvoso. Nunca me tinha sentido tão orgulhosa de andar de guarda-chuva em riste. Cheio de flores e rendilhados vermelhos nas bordas. Fechava-se com um lacinho. Parecia um jardim vertical. Se a eu-adolescente-gótico-metaleira-grunger-abadalhocada de há 15 anos me visse com semelhante objeto, benzia-me três vezes.

Pelo caminho entrei na biblioteca e pousei o guarda-chuva. Procurei 2 livros que não encontrei, porque de acordo com a menina “esta biblioteca já não compra livros há 10 anos”. Tive pena, mas se calhar era um sinal da crise. De uma crise qualquer, pelo menos. Não me revoltei. Havia de encontrar algo entre os 17364940487 livros que lá havia. Saí da biblioteca de livro debaixo do braço e satisfeita. Fico sempre contente com um livro novo, há sempre a esperança de uma coisa maravilhosa lá dentro. Como acontece com os rapazes giros. Tão contente que deixei o guarda-chuva para trás. Lembrei-me a tempo e regressei. Estava são e salvo. A caminho parei no café, para beber um descafeinado e enganar o vício. Estive lá pouco tempo, mas o suficiente para deixar, mais uma vez, o guarda-chuva para trás. Lembrei-me dele 2 segundos depois de pôr o pé na rua. Fui à peixaria e a história repetiu-se.

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Pause.
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Recapitulando: pousei-o 3 vezes e das 3 vezes deixei-o para trás. O universo estava a tentar dizer-me alguma coisa. Ignorei e continuei a peregrinação com o guarda-chuva. Às vezes o universo tenta dizer-nos coisas, que optamos ignorar.

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Play.
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Vi-o pela última vez quando o pousei à entrada do supermercado.
Voltei para procurá-lo 2 horas depois de ter de lá saído e, apesar do supermercado ser daqueles pequenosquasefamiliares e do guarda-chuva ser especialmentebonito, todos lá dentro juram que nunca lhe deitaram o olho. E eu voltei para casa a insultar mentalmente todos os que alguma vez conheci e a chutar cãezinhos fofinhos chorar. Acho que foi a relação mais curta que tive com um guarda-chuva. Demasiado atribulada devo dizer. Talvez tenha sido melhor assim.

Nunca na vida tinha comprado um guarda-chuva, apesar de gostar de detalhes. E de chapéus
. Mas nunca sofri de falta deles (dos guarda-chuvas, chapéus nunca são demais). De alguma forma vão me aparecendo na vida: pequenos, grandes, feios e bonitos, com desenhos, lisos, perfeitos e partidos. Não sei de onde vêm, nem sempre sei para onde vão. Como os isqueiros e no processo inverso às meias. As de calçar.

Não há nada que diga mais sobre uma pessoa, do que o que faz às meias “descasadas”, que vão restando na cesta da roupa limpa. É infalível. É a primeira pergunta que faço às pessoas que pressinto que terão um papel importante na minha vida: “Desculpa, o que fazes às meias descasadas que se vão acumulando no cesto da roupa?”.

Eu tenho uma bacia amarela, onde as guardo há anos – para se fazerem companhia umas às outras e não se sentirem tão sozinhas – na esperança que um dia se reencontrem com o par. Às vezes quase tenho vontade de as deitar todas ao lixo, mas não sou capaz. Tenho esperança, que sei lá... regressem.

O que acontece às meias que desaparecem? Fogem? Mudam de vida e transformam-se em outra peça de roupa? Vão para uma quinta cheia de meias? Será que algum dia regressam? Eu acho que se transformam em guarda-chuvas.

(se virem um guarda-chuva por aí com cara de meia, é o meu)