sobre a morte e o FB

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Tenho por hábito, mal acordo, dar a volta ao mundo sem sair do sítio. Ligo o computador e vejo um ou dois jornais, para saber se o mundo lá fora ainda não acabou. Estamos em 2012 e sou cautelosa. Passo por alguns blogues favoritos, para saber como anda a vida e inspiração alheias.  Abro o mail, para confirmar se a meio da noite algum amigo, num ataque de insónia inspirador me mandou algum mail (daqueles que só se mandam depois das três da manhã, em que meia razão deixou de funcionar). E abro – claro – a minha página do facebook.

Nesse dia – que foi há pouco – chegou-me a notícia que "uma rapariga do meu tempo e da minha terra” tinha morrido. Não era minha amiga. Era uma conhecida, com quem as únicas palavras que troquei, nas últimas três décadas, foram “Olá, tudo bem?”. Dela apenas sei: o nome, a idade e onde morava (porque vivia na minha rua). E que sorria muito. Sei quem é a mãe, porque é ruiva como ela. E já está. E agora sei que morreu.

Este post não pretende ser algo profundo e sentido, que questiona o sentido da vida. Esse já o descobri há muito: é evitar a morte. Basta olhar para os bichos. Espero não desiludir quem julgava que era algo mais mágico. Não sou uma pessoa profunda. Aliás, o mais profundo que tenho no meu ser é uma cárie num dente de trás e umas rugas à volta dos olhos, que vão ganhando uma consistência… profunda.

Esta pessoa “do meu tempo” morreu e eu tive pena. E de repente percebi que dezenas de pessoas lhe escreviam mensagens de despedida no seu mural de facebook. Perturbou-me. Pareceu mórbido escreverem na página do facebook de alguém que nunca mais vai ler aquilo, e que as palavras vão ficar ali penduradas, a boiar no ciberespaço.

Agora que mudaram a página do FB para uma coisa que se chama cronologia (que ainda não entendi a 100%), que quase se confunde com necrologia, parece que consigo ver, de mim própria: “Partilhou uma música pimba, pôs um “gosto” em três fotos de animais fofinhos, deixou os parabéns a um amigo, que não vê há 10 anos, e morreu”. O que acontece à nossa página do Facebook quando morremos?

Desliguei o PC e fui tomar café. Arejar e tentar encher a cabeças de futilidades (a morte é fútil?). Não há nada melhor que nos aprimorarmos na arte de tentar afastar a cabeça das coisas que nos perturbam. Devia ser uma cadeira em cursos do ensino superior. Melhor, devia ser um curso do ensino superior.

Fiquei inquieta com aquela gente que escrevia mensagens àquela rapariga morta. Mas depois pensei, que também se escrevem cartões que se colocam em ramos, que se depositam nos cemitérios.  Nunca serão lidos pelo defunto e isso não me faz ir arejar e tentar encher a cabeça de futilidades. Adoro frases feitas - porque me poupam trabalho - por isso digo que para morrer, basta estar vivo (ainda que haja mortos, que ainda não morreram). Mas já não se morre como antes. As mensagens aos mortos já não se escrevem, secretamente num cartão, que possivelmente permanecerá para sempre na gaveta de um familiar. Ou à chuva a desfazer-se. As mensagens são públicas para - até - conhecidos como eu poderem ler e opinar, num blogue que fala de futilidades profundas, como a cárie do meu dente, e permanecerão ativas até o senhor Facebook, um dia decidir encerrar, por falta de uso.

Fiquei com pena da rapariga. Assusta-me a morte, porque gosto da vida. Não acho que devemos viver todos os dias, como se fosse o último. Isso é fácil. Acho que nos devíamos lembrar todos os dias, que um dia morreremos. Acho que ajudaria a tornar-nos mais vivos.

                                                                                                                                                                     para a minha Amiga Carol.