Gosto mais de BANALIDADES do que de não-banalidades-grandiosas. Não
consigo pensar numa palavra que seja antónimo de banalidade. Diz o dicionário
que uma banalidade é uma: [Figurado] Trivialidade, futilidade. Quem
sou eu para contradizer o dicionário da Porto Editora, mas eu acho
precisamente o contrário. As banalidades são coisas muito pequenas, apenas vistas ao olho do
microscópio e que, por vezes, possuem uma beleza que preenche
toda a pupila do olho - por isso as nossas pupilas dilatam perante as coisas que
gostamos: são elásticas e adaptam-se ao tamanho da beleza da banalidade. Há banalidades que se vão tornando mais bonitas com o passar do tempo e
outras que foram um erro de um microscópio mal calibrado.
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cativelos 25122012 |
BANALIDADES 3.
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A minha avó (na foto em cima) era uma velhinha baixinha, com a cara redonda e uma
trança cinzenta de cabelo enrolada na nuca. A única coisa que a impedia de ser
uma Senhora (com ésse maiúsculo ---> S) por completo, era o seu andar que me relembrava que um dia aquela
idosa, vestida de preto dos pés à cabeça, tinha sido uma criança pequena.
Uma vez, na
aldeia dela que também é um pouco minha, já eu era adulta, reconheceram-me como
sua neta pelo andar (que era o mesmo que o dela, mas em mim). Fiquei surpreendida por ser possível reconhecer a genealogia de alguém pelo andar e percebi, nesse instante, que eu tinha um "andar". É engraçado irmo-nos conhecendo observando o tronco original, que é diferente de nos reconhecermos nele. Isto foi uma herança que ela me deixou - a mim e à
minha mãe -, e que é muito maior e permanente que a sua casa de pedra. Será sempre o que prenderá à
infância a sua descendência, mesmo quando tivermos todas mais de 100 anos.
Há tempos mandaram-me um link sobre uma avó alheia e nunca mais deixei de pensar na minha. Esta avó alheia também veio em forma de BANALIDADE.
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cativelos 25122012 |
A minha avó L., com nome de romance, estava sempre a rir ou a sorrir, mas quando a conheci já não tinha nenhum
dente na boca. Apesar disso, ou por causa disso, a sua
casa de banho era habitada por uma assustadora dentadura completa de 32 dentes, que vivia num copo de vidro. Uma
espécie de T0 envidraçado, com vistas para o lavatório. Esta dentadura
aterrorizava-me os minutos que precediam a ida para a cama, quando tinha de
lavar os dentes, e faziam-me sair a correr do WC e enfiar-me na cama tapada até à
cabeça. O susto rapidamente passava e depressa prendia o pensamento ao penico que habitava a parte de
baixo da cama: branco de metal, orlado de preto, que seria a minha salvação se
durante a noite me desse vontade de ir à casa de banho novamente. Uma presença mais
pacífica que me dava pazpazpazpaz e me arrastava os pensamentos para melhores
paragens. O penico de metal branco. Hoje em dia, gostava de ter altura suficiente na cama para lá guardar um penico debaixo. Terei, por ventura, dormido em colchões no chão demasiado tempo?
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cativelos 25122012 (PRODUÇÃO DE FILHOSES) |
A minha avó cheirava a laranja, gostava de azeitonas e fazia filhozes filhoses no Natal e, sempre que lá íamos à aldeia, fazia um bolo bom que hoje conhecemos como "o bolo da avozinha". (ela) Devia ter alguns defeitos normais de pessoinhas-ser-humanos, mas eu nunca me apercebi de nenhum, nos 12 anos que partilhámos tempo no mundo. E depois, quando morreu, também nunca ninguém lhe apontou más qualidades (más-qualidade: não é isto uma antítese?), mas isso já é uma coisa normal porque, como se sabe, qualquer pessoa que morre imediatamente adquire o estatuto de santo.
Um dia perguntei-lhe porque não usava a tal dentadura na boca, e assim libertava o copo T0 com vistas panorâmicas para a serra. Disse-me que a dentadura não a deixava rir com o tamanho todo da boca,
por isso preferia ter um sorriso maior, do que ser mais bonita. Acho que com um sorriso maior ficava automaticamente mais bonita, por isso não insisti e percebi o que ela já sabia. E prontos, é uma das primeiras BANALIDADES de que tenho memória. As memórias também podem ser BANALIDADES bonitas.
BANALIDADES 4. covinhas nas clavículas