Procuro um guarda-chuva

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Estava a chover. Saí de casa com o meu guarda-chuva comprado há vários meses e por estrear. Ainda tinha a etiqueta e tudo. Arranquei-a com os dentes (apesar da minha mãe sempre me ter dito que fazer isso os estraga). O inverno foi seco, mas o verão está chuvoso. Nunca me tinha sentido tão orgulhosa de andar de guarda-chuva em riste. Cheio de flores e rendilhados vermelhos nas bordas. Fechava-se com um lacinho. Parecia um jardim vertical. Se a eu-adolescente-gótico-metaleira-grunger-abadalhocada de há 15 anos me visse com semelhante objeto, benzia-me três vezes.

Pelo caminho entrei na biblioteca e pousei o guarda-chuva. Procurei 2 livros que não encontrei, porque de acordo com a menina “esta biblioteca já não compra livros há 10 anos”. Tive pena, mas se calhar era um sinal da crise. De uma crise qualquer, pelo menos. Não me revoltei. Havia de encontrar algo entre os 17364940487 livros que lá havia. Saí da biblioteca de livro debaixo do braço e satisfeita. Fico sempre contente com um livro novo, há sempre a esperança de uma coisa maravilhosa lá dentro. Como acontece com os rapazes giros. Tão contente que deixei o guarda-chuva para trás. Lembrei-me a tempo e regressei. Estava são e salvo. A caminho parei no café, para beber um descafeinado e enganar o vício. Estive lá pouco tempo, mas o suficiente para deixar, mais uma vez, o guarda-chuva para trás. Lembrei-me dele 2 segundos depois de pôr o pé na rua. Fui à peixaria e a história repetiu-se.

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Pause.
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Recapitulando: pousei-o 3 vezes e das 3 vezes deixei-o para trás. O universo estava a tentar dizer-me alguma coisa. Ignorei e continuei a peregrinação com o guarda-chuva. Às vezes o universo tenta dizer-nos coisas, que optamos ignorar.

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Play.
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Vi-o pela última vez quando o pousei à entrada do supermercado.
Voltei para procurá-lo 2 horas depois de ter de lá saído e, apesar do supermercado ser daqueles pequenosquasefamiliares e do guarda-chuva ser especialmentebonito, todos lá dentro juram que nunca lhe deitaram o olho. E eu voltei para casa a insultar mentalmente todos os que alguma vez conheci e a chutar cãezinhos fofinhos chorar. Acho que foi a relação mais curta que tive com um guarda-chuva. Demasiado atribulada devo dizer. Talvez tenha sido melhor assim.

Nunca na vida tinha comprado um guarda-chuva, apesar de gostar de detalhes. E de chapéus
. Mas nunca sofri de falta deles (dos guarda-chuvas, chapéus nunca são demais). De alguma forma vão me aparecendo na vida: pequenos, grandes, feios e bonitos, com desenhos, lisos, perfeitos e partidos. Não sei de onde vêm, nem sempre sei para onde vão. Como os isqueiros e no processo inverso às meias. As de calçar.

Não há nada que diga mais sobre uma pessoa, do que o que faz às meias “descasadas”, que vão restando na cesta da roupa limpa. É infalível. É a primeira pergunta que faço às pessoas que pressinto que terão um papel importante na minha vida: “Desculpa, o que fazes às meias descasadas que se vão acumulando no cesto da roupa?”.

Eu tenho uma bacia amarela, onde as guardo há anos – para se fazerem companhia umas às outras e não se sentirem tão sozinhas – na esperança que um dia se reencontrem com o par. Às vezes quase tenho vontade de as deitar todas ao lixo, mas não sou capaz. Tenho esperança, que sei lá... regressem.

O que acontece às meias que desaparecem? Fogem? Mudam de vida e transformam-se em outra peça de roupa? Vão para uma quinta cheia de meias? Será que algum dia regressam? Eu acho que se transformam em guarda-chuvas.

(se virem um guarda-chuva por aí com cara de meia, é o meu)