Sou uma não-artista!
by Palaroide
Nunca soube desenhar ou pintar. Quando tinha uns 13 anos, tive um professor de Desenho que me motivou e me fez acreditar que afinal estas coisas também se aprendem. Quase me enganei com o meu futuro sucesso enquanto artista plástica, mas no ano a seguinte mudei de professor e apaixonei-me pelo que tive a seguir. Escusado será dizer que os meus esforços artísticos, logo se transformaram em fantasias amorosas, planos rebuscados de como conquistar o meu professor de 40 anos. Pouco tempo depois achei que o melhor era jogar pelo seguro e seguir a área das letras e o meu relacionamento com o mundo das artes ficou por ali... 14 anos depois casei-me com um pintor e a história ficou arrumada!
Musicalmente é como se tivesse dois ouvidos esquerdos. O meu pai é músico. Tentei aprender a tocar guitarra. Durei uma lição e desisti. Tentei ser autodidacta na flauta. Iniciei-me com o "Parabéns a você". Fiquei-me pelas 3 primeiras notas...
Desgraça. A minha vida enquanto artista estava condenada ao falhanço. Jamais seria uma artista reconhecida pelos meus pares e pelo mundo.
Continuando o meu percurso cronológico enquanto "não-artista" - sim porque isto de não ser artista estende-se a todas as áreas da minha vida, nomeadamente o facto só conseguir ver as coisas de uma forma totalmente linear e cronológica. Tudo o que sai desta linha, não faz sentido. Metaforicamente falando, quando não é assim, é como se entendesse todas as palavras e não entendesse o texto (sendo o texto a vida, claro). Tudo o que é abstracto, ultrapassa-me. Não sou limitada, sou apenas prática.
Voltando à dita cronologia. Durante uns tempos frequentei uma psicóloga. Sem preconceitos! É como quem vai ao ginásio. Ou frequenta aulas de pintura. Tinha algum dinheiro para investir em mim, e achei que os meus amigos andavam sem paciência para ouvir as minhas conclusões sobre a existência humana. Alguns nem sequer estavam à altura para entender as minhas reflexões perspicazes. O melhor era mesmo pagar a uma profissional. Sem complicações. Chegava, sentava-me e abria a goela. Tenho a certeza que a senhora - que tinha mais ou menos a minha idade - de vez em quando deixava de me ouvir. Outras vezes eu pensava na seca que lhe estava dar. Coitada! Mas depois, num acesso de petulância sossegava-me: "É para isso que eu lhe pago". Toma!
Era com ir às putas - e passo a expressão, porque sou uma rapariga com tendências puritano-feministas.
Claro que não posso negar que muitas vezes chegava lá deprimida. Com tristezas e angústias. No início cheguei a pensar, que quando isso acontecesse ela dar-me-ia a solução para todos os meus males. Errado. Segundo ela "A solução está em nós". Tretas. A gaja era uma chupista.
Um dia perguntou-me: "Que gostas tu de fazer? Pintar? Tocar um instrumento? Tens que fazer alguma coisa que te dê prazer." E voltávamos à velha questão das artes. Ser artista já não era um desejo, era uma necessidade para a minha sanidade mental. Raios!
Houve um momento da minha vida em que bailava sem vergonha e com muita alegria. Mas desisti, quando um dia num casamento, um amigo de longa data, que não via há muito tempo, me perguntou: "Andas a trabalhar num saloon?" Não sei que quis ele dizer com isso, mas arruinou-me a festa. Estaria eu com atitudes de puta lasciva, à frente de velhos amigos? Ou será que a minha sensualidade de movimentos o deixou estupefacto? Não fosse o diabo tecê-las, arrumei as sabrinas e deixei de abanar a anca daquela forma. O pior de tudo é que ele nem sequer se deve lembrar disto e a minha carreira tardia de bailaria, caiu por terra.
Depois deste flashback, com direito a vozes com eco e imagem nublada, disse à psicóloga que gostava de escrever. Que até tinha ganho dois prémios na adolescência! Só não escrevia, porque estava à espera do momento certo. Esperava a maturidade para ter algo que contar. Disse-lhe que andava à procura da história certa. Aguardava o sinal divino, a inspiração definitiva. Será que ela não via filmes? Não lia as biografias dos famosos? Estas coisas são assim... De repente algo incrível aconteceria e eu seria uma escritora famosa. Orgulho dos meus pais. Venerada pelos da minha aldeia, como uma vencedora. Não lhe expliquei tudo isso, seria como chamá-la de ignorante. Mas prometi que sim, começaria a escrever.
Passaram dois anos. Nunca escrevi nada. Continuo à espera do sinal dos Deuses. Enquanto não chega, criei um blog. Sem linha editorial, a não ser eu mesma.